"Criminalidade não justifica aumentar quadros na PJ"

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Mensagem por gandamano Qui 03 Jan 2013, 11:51

Ramos Caniço, coord. investigação criminal


"Criminalidade não justifica aumentar quadros na
PJ"



por
Valentina Marcelino e Licínio Lima in DN









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Ramos Caniço
Fotografia © João Girão/Global Imagens






Uma referência da Polícia Judiciária, Ramos Caniço deixa
a instituição depois de 32 anos de serviço contra o crime. Na sua primeira
grande entrevista após a aposentação, o antigo coordenador afirma que neste
momento os meios da PJ são suficientes para responder à evolução da
criminalidade.


O que há de diferente entre a PJ de hoje e a PJ onde entrou
há 32 anos?



Quando cheguei à PJ encontrei uma polícia um bocado individualista baseada
nas estrelas. Isto é, tínhamos aqueles investigadores que se distinguiam pela
sua intuição, no âmbito de uma investigação criminal própria do século XX e,
sobretudo, da primeira metade do século, baseada na rua, na recolha de
informação proveniente dos processos. Depois era o 'dedinho' do agente que
fazia a diferença de investigação para investigação.


Passados 32 anos, já não há as estrelas dos anos 80, mas deixei uma polícia
científica, uma polícia técnica, que foi evoluindo e estruturando no sentido de
aproveitar as novas tecnologias.


Mas a PJ perdeu a rua...


A rua não se perdeu. A rua pode ter sido transferida de instituição para
instituição. Com a nova lei orgânica de 2000 , a PJ começou a especializar-se e
dedicar-se à criminalidade mais complexa, à criminalidade transnacional,
internacional - terrorismo, corrupção, tráfico internacional de estupefacientes
e por aí fora. Ou seja, as burlas, os abusos de confiança, assaltos, os furtos,
passaram a ser investigados pela PSP e pela GNR indistintamente, dependendo
apenas da área geográfica.Mas, mesmo a informação, da rua, daqueles processos
que deixaram de ser investigados pela PJ, não se perdeu. Só perco a colheita
direta. Basta que a informação flua entre os órgãos de polícia criminal. O que
já acontece, mas ainda não de forma automática.


Está a falar de um mundo irreal. As polícias não partilham
informação... Ainda no verão aconteceu um exemplo, que poderia ter tido
consequências trágicas, em Aljezur, no qual a PJ e a Marinha fizeram uma
operação na área da GNR e não avisaram...



Mas isso terá sido uma questão de coordenação operacional. Tinha que ter
havido um telefonema de alguém para outrem a dizer 'olha eu vou entrar na sua
zona, no dia a ou b, ou entre as horas a ou b, atenção se vires alguma coisa
estranha'. Isto é que não terá sido feito. Quanto à partilha de informação
entre as polícias, ela acontece. O que não partilham é informação online,
automatizada.


São frequentes os casos da PSP e da GNR terem a tentação de
extravasar a sua área de competência, por exemplo na investigação de raptos...



Mas a culpa não é da PSP nem da GNR. Ninguém investiga nada que não for
deferido pelo Ministério Público (MP). O que acontece muitas vezes é que o MP
decide investigar ele determinado crime e depois, como temos visto em alguns
casos de corrupção, aparece gente da PSP, GNR, peritos tributários metidos numa
equipa que está a investigar. Mas na verdade eles estão é auxiliar o MP. Ou
seja, não há um deferimento formal de competência de investigação na PSP ou na
GNR. São o apoio em campo.


Mas tem havido o argumento, como aconteceu na investigação dos ATM,
que a PJ não tem capacidade para responder...



Há muita coisa que se diz que não é verdade. Se olharmos para o tempo
de investigação de um inquérito nos anos 90 e o que demora hoje, hoje demora
menos. Seja qual for o tipo de inquérito. Há inquéritos muito complexos, como
os da criminalidade económica. Mas se olharmos hoje para as estatísticas, os
inspetores da PJ têm hoje menos processos distribuídos do que no final anos 90,
devido à Lei Organização de Investigação Criminal. Não podemos é deixar de
pensar na diferença de inspetor/hora de trabalho que leva um processo de
corrupção ou um assalto a uma ourivesaria. Há, por outro lado, determinados
tipo de investigação que exigem uma especialização do inspetor em termos de
recolha de prova - como a criminalidade económica - que as outras polícias, do
meu ponto de vista, não estão minimamente preparadas para o fazer.


Os magistrados do Ministério Público (MP) estão preparados para
investigar?



Nunca estiveram. Não é numa visita que se faz à PJ numa semana que os
magistrados ficam a conhecer os métodos de investigação criminal. Mas também é
verdade que há magistrados e magistrados e há alguns que têm neste momento
tanta competência para investigar como um inspetor da PJ.


A PJ é cada vez mais um braço armado do MP?


Eu diria o contrário. Como demonstra a 'Operação Furacão' e outras, cada vez
menos o braço armado do MP é a PJ.


E isso deve-se a quê?


É que a PJ não costuma abdicar da sua independência na questão da
competência técnica e autonomia tática. Fazer isso seria abdicar de cerca de
70% da eficácia da investigação. Ninguém nega ao MP que seja o gestor da
investigação, o titular, mas o que a PJ diz é o seguinte: ou o MP quer
investigar ele próprio e não precisa de ninguém muito especializado ou defere a
competência da PJ e aí compete à hierarquia da PJ gerir a investigação e
apresentar os resultados. Ou então o MP investiga e diz à GNR, PSP ou
autoridade tributária o que querem que eles façam, diligência a diligência. E é
isto que a PJ tem dificuldade em aceitar, que lhe digam o que fazer.


Mas cada vez há mais casos de delegação de competências na GNR ou na
PSP de crimes de competência da PJ, com o argumento que a PJ não tem
capacidade... A falta de quadros na PJ está a levá-la a perder terreno na
investigação criminal?



A PJ tem meios e pessoas para isso. Os quadros da PJ não estão a 100%. Nunca
estiveram. Estarão mais ou menos a metade. Nestes últimos 32 anos, que me
lembre, houve sempre vagas na PJ.


Mas nesta questão do MP delegar ou não, não me parece que tenha a ver com a
capacidade das polícias. O que me parece que tem a ver é com a necessidade
sentida por alguns magistrados de serem eles próprios a fazeres as coisas. Mas
eu aí acho que havia um exercício que devia ser feito: deviam ser averiguados
nos casos investigados pelo MP e nos pela PJ quem tem mais condenações.


Mas o quadro da PJ, como já disse, está a 50%....


A Direção Nacional (DN) da PJ neste momento só tem dois elementos. É a mais
reduzida direção de sempre. Mas se estes dois diretores entendem que conseguem,
com algum sacrifício, assumir aquela responsabilidade, essa é uma posição
absolutamente inatacável. Porque no estado de constrangimento orçamental que
está a PJ se se consegue apresentar resultados com uma direção reduzida é um
argumento imbatível nesta altura.


Claro que isso provocará um enorme desgaste físico e psicológico...


E os inspetores que estão no terreno, não terão um ainda maior
desgaste?



Os inspetores têm os seus diretores e se esses diretores conseguirem
proporcionar ao diretor nacional e ao diretor nacional adjunto resultados...







A PJ está bem então?


A PJ não está bem, mas também não está a ponto de cair. A PJ com o DN que é
oriundo da casa, conhece bem o funcionamento de tudo e os seus colegas. Tem
condições, com o seu adjunto, de funcionar bem. Não é o ideal. Mas a PJ
funciona. Quanto aos quadros, e eu tenho muita pena de dizer isto, mas temos de
ver as coisas de um ponto de vista de gestão.


Eu preciso de quadros numa polícia de acordo com o volume de trabalho dessa
polícia. Se eu tenho um campo de investigação mais reduzido que há 15 anos eu
precisarei do mesmo quadro de pessoal que tinha nessa altura? Por outro lado,
coloca-se outra questão: a evolução da criminalidade foi tão grande nestes últimos
anos no sentido que justifique eu ter de aumentar os meus quadros. Olhamos para
essa evolução e isso não se verificou. A evolução da criminalidade, como a
conheço até agora, não justifica que tenhamos de aumentar os quadros da
polícia.


O sindicato da PJ (ASFIC-Associação Sindical dos Funcionários da
Investigação Criminal) tem reivindicado o contrário...



O que tem que se ver é se esse não preenchimento do quadro colide com a
qualidade da investigação e que se alcancem resultados na investigação. Até agora
viu-se que não.


Porque há sempre reações tão negativas na PJ quando se fala
numa fusão das polícias?



É uma questão de quintas.


Mas qual é o receio? Medo de ser absorvida? Porque não o contrário?
Pense numa direção de investigação criminal numa Polícia Nacional, que absorve
os quase 4000 investigadores da GNR e da PSP, como sugeria uma proposta do PSD,
não seria mais eficaz?



Não vejo porque é que a PJ há-de ser fundida com outras polícias. Do ponto
de vista da eficácia a ideia que tenho é que a criação de PN noutros países não
vieram trazer melhorias do ponto de vista da eficácia.


Mas no caso português qual seriam as desvantagens?


A desvantagem é só uma. A PJ é um órgão auxiliar da administração da
justiça que as outras não são. São polícias de segurança pública. Por isso a PJ
é considerado um corpo superior de polícia. Sendo assim tem necessariamente de
estar no Ministério da Justiça. Por outro lado, a PJ não trata questões de
trânsito, nem de policiamento, e nunca o iria fazer. Faz só investigação
criminal e isso é propriedade exclusiva do MP em Portugal, que é MJ. Não faz,
por isso, nenhum sentido, tirar a PJ do MJ. Porque se eu transformar a PJ numa
direção de uma outra polícia qualquer, eu estou a transpor do MJ para o MAI um
órgão que é um auxiliar da administração da justiça, que trabalha
exclusivamente com o MP e com o MJ. Não tem nada a ver com o MAI. Nem do ponto
de vista orgânico faz sentido.


E mais, a investigação criminal nas outras polícias nem é o seu objetivo
principal. Na PJ é o objetivo exclusivo.


A PJ não fica isolada com esta atitude? São elitistas?


A PJ tem diferenças das outras policias. Não entra ninguém que não seja
licenciado. A PJ tem sistemas de formação d e investigação criminal que,
provavelmente, são diferentes. A PJ tem a base nacional das impressões
digitais, tem o laboratório de policia científica, está a formar as equipas de
local de crime. Tem uma série de valências que as outras polícias não têm.


Os magistrados estão a desaparecer da PJ?


Os magistrados na PJ faziam sentido logo a seguir ao decreto-lei 35
042, de 1945 (que requalifica a PJ), na tradição dos anteriores serviços de
investigação criminal, quando os elementos da PJ tinham a 4ª classe e o 5º ano.
Hoje só tem gente licenciada, portanto tenho um estatuto cultural ao nível dos
magistrados.


Se houvesse mais magistrados nas unidades nacionais o diálogo com o
MP não estaria facilitado?



Mas já tivemos magistrados, como diretores nacionais adjuntos, praticamente
em todas as unidades nacionais e, que eu me recorde, das situações de maior
tensão entre a PJ e o MP, foi nesse altura. Recordo, por exemplo, o início da
década de 90. Mas melhor que eu o Dr. Marques Vidal pode falar disso. Ele tem
uma memória extraordinária.


Por outro lado, a verdade é que na ultima década o único diretor nacional
que aguentou um mandato inteiro foi o atual diretor de carreira. Mais nenhum
conseguiu.


A atual estrutura orgânica da PJ está adaptada às organizações
criminosas, cada vez mais frequentes, que operam em vários tipos de crime?



Só temos três grandes tipos de crime: contra a propriedade e os
económicos e temos uma unidade nacional vocacionada para isso; a criminalidade
transnacional de trafico de estupefacientes, e também temos uma unidade
vocacionada; depois o terrorismo e os crimes contra as pessoas, cuja
criminalidade organizada tem os raptos, sequestros e homicídios. Tirando os
homicídios, todos os outros caem numa unidade nacional que é a Unidade Nacional
de Contra-Terrorismo (UNCT), que do meu ponto de vista se chamava muito melhor,
como antes, Direção Central de Combate ao Banditismo, que é a essência da sua
existência e não propriamente o terrorismo, que acabou com a FP 25. Nunca mais
houve nada de terrorismo. E mesmo o terrorismo das FP 25... enfim... à
portuguesa.


Mas há organizações que se dedicam a todo este tipo de crimes. Não
faria sentido uma abordagem de investigação às organizações propriamente ditas,
com gente de todas as unidades relacionadas, em vez de investigar o crime em
si?



Nessas alturas a informação é cedida por todos. Na investigação também
muitas vezes vão pessoas das diversas unidades coordenadas pelos diretores.
gandamano
gandamano
2º Sargento
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Masculino
Idade : 56
Profissão : GNR
Nº de Mensagens : 581
Mensagem : \" Quanto maior a dificuldade, tanto maior o mérito em superá-la.\"
( Henry Ward Beecher )
Meu alistamento : 1990

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