Foram baleados e agredidos mas ainda gostam de ir para a rua

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Encerrado Foram baleados e agredidos mas ainda gostam de ir para a rua

Mensagem por Croco Dom 03 Abr 2016, 23:22

Foram baleados e agredidos mas ainda gostam de ir para a rua

03 DE ABRIL DE 2016 00:23
Valentina Marcelino, Rute Coelho, Roberto Dores

Foram baleados e agredidos mas ainda gostam de ir para a rua Ng6386538
António Pereira, cabo da GNR, teve um "pressentimento estranho" no dia em que numa operação na Sertã ficou ferido com gravidade num braço

  |  Reinaldo Rodrigues/Global Imagens


Na semana em que três agentes da PSP ficaram feridos num confronto na Ameixoeira, em Lisboa, o DN falou com três elementos das polícias que já tiveram a vida em perigo. O cabo António Pereira, da GNR, enfrentou um barricado na Sertã e foi atingido por um disparo; um agente da PSP foi emboscado num bairro em Gaia, e agredido com um tijolo; e o chefe Paulo Esteves foi baleado por um traficante
"A adrenalina era tanta que nem me apercebi que o braço estava desfeito"

António Pereira
47 anos
Cabo, chefe de equipa do pelotão de operações especiais
Durante a viagem tive um pressentimento estranho. Nunca me tinha a acontecido. Pensei que, se calhar, era por ter uma filha ainda bebé. Já tinha feito muitas rusgas e buscas, mas era a primeira situação com um barricado. Fui a pensar nela o tempo todo e ia trocando mensagens com a minha mulher, que ficava sempre preocupada. Na véspera tínhamos feito uma escolta a uma carrinha do Banco de Portugal, no Porto, e estávamos para ir fazer umas buscas a Porto Salvo.

Quando estávamos reunidos, no quartel de Santa Bárbara (Lisboa) a distribuir as equipas pelo alvos, o nosso comandante, na altura tenente, agora major, António Quadrado entrou e disse que havia um barricado na Sertã e que era preciso fazer uma alteração aos planos. Eu era chefe de equipa (do pelotão de operações especiais do batalhão operacional do regimento de infantaria) e fomos escolhidos. "Vamos jantar e embarcar para cima", disse o tenente Quadrado. E assim foi.

Chegámos à noitinha e passámos pelas brasas um pouco até podermos fazer a abordagem pela manhã. Correu tudo tão bem que até dizia que nenhum treino teria sido melhor. Arrombámos a porta e eu ia à frente com o escudo. Entrámos. É no momento em que estou a rodar do lado direito para o esquerdo que ouvimos o estrondo de um disparo. Quando dei a volta, parte do braço direito ficou ligeiramente fora do escudo. Senti uma espécie de choque elétrico, o corpo ressentiu-se todo. Mas passou e nem senti mais dor nenhuma. Continuei a avançar com a equipa. A adrenalina era tanta que nem me apercebi que o braço estava desfeito. Carne, tendões, osso, tudo esfacelado. Ainda me lembro da cara do major Quadrado quando olhou para a ferida (faz uma expressão de repugnância). Não podia ter sido melhor tratado no hospital de Coimbra, com o Dr. José António Teixeira.

Mando-lhe sempre uma mensagem nessa data e ele responde. Avisou-se que podia ter de amputar-me o braço, mas conseguiu salvá-lo.

Fiquei com limitações, sim, mas consigo ainda fazer muita coisa. Até algumas flexões. Escrevo na perfeição, só não tenho tanta força e a barba tem que ser com a mão esquerda. Não tenho complexos. Os meus comandantes, os meus camaradas e a Guarda foram extraordinários. "Você é que diz para onde quer ir, você é que manda!", disse-me na altura o 2.º comandante, General Cunha Lopes. Fui colocado na logística do material e equipamento. Sou eu que todos os dias entrego o material, escudos, armas, coletes, aos meus camaradas quando vão para as operações. Tenham cuidado!, digo às vezes. Outras vezes é mesmo "rebentem com esse bandidos". Conhecem a minha história e dizem que quando olham para mim sentem sempre o que pode acontecer a qualquer um e que é preciso todo o cuidado. Faz parte da profissão e é preciso encarar com naturalidade.

Gostava de, um dia, ainda ter o prazer de conhecer o indivíduo que me fez isto. Uma conversa calma e amigável. Só para lhe dizer que não havia necessidade de ter feito o que fez, já sabia de antemão que era a GNR que ia entrar. Não lhe íamos fazer mal nenhum. Ele alegou que pensava que eram ladrões, mas isso custa a engolir.


[citacão:Agrediram-me com um tijolo na cabeça. Mas vou continuar na rua]
Agente
39 anos
Patrulheiro em esquadra no Porto
Nós, polícias, sabemos que um pouco da bandeira nacional é nossa, naquele bocadinho vermelho que é o sangue que deixamos. Mesmo depois do que passei naquela situação em que podia ter morrido, quis voltar à rua. Só vou sair da rua quando não tiver mais capacidade. Tenho 39 anos, 16 anos na PSP, trabalho agora numa esquadra do Porto. E sou pai de um menino de quatro anos a quem não foi fácil explicar as minhas lesões e a diferença entre bons e maus.

Quem me agrediu ainda vai a julgamento e só por isso não quero dar o meu nome.

Tudo aconteceu na madrugada de 11 de agosto de 2014. Eu e um colega estávamos de patrulha e fomos chamados de madrugada, pelas 5.00, para uma simples ocorrência de excesso de ruído numa festa que decorria numa rua de Vilar de Andorinho, em Gaia. Naquela freguesia há muita população cigana mas a nossa chamada era para uma zona calma de moradias.
 
Não imaginávamos que a festa de aniversário fosse de ciganos e que nos viessem a emboscar. A rua onde fomos só tinha uma entrada e uma saída: eles cortaram a saída. Eu conduzia o carro patrulha. Quando saímos, o meu colega ficou cercado e encostaram-no a um muro. Fui a correr em seu auxílio e fiquei no meio deles. Rodearam-me. Fui agredido a murro e pontapé por umas dez pessoas e quando estava no chão, um deles agrediu-me com um tijolo na cabeça de cima para baixo, como se fosse um bastão, por duas vezes. Depois desarmaram-me e apontaram-me a pistola de serviço às costas, e iam tentando, ao mesmo tempo, introduzir a munição na câmara.

Consegui recuperar a arma puxando do fiador, uma peça que segura o cinturão à pistola. Enrolei o corpo para fora do alcance da arma e puxei-a. O meu colega da patrulha não desistiu de mim e, tal como eu o tinha livrado dos agressores, também veio em meu auxílio e afastou-os dali. Tudo isto se passou em dois ou três minutos. Já nem pude averiguar o que se passou na festa, a minha prioridade era sair vivo dali. Sei que depois chegaram os reforços das equipas de Intervenção Rápida e cercaram a rua. Só fiquei até eles chegarem. Um dos moradores chamou o 112 e fui levado para o hospital Santos Silva, em Gaia. Fiquei lesionado na cabeça e nas costas. Estive de baixa seis meses. Ainda hoje há zonas da cabeça que não sinto, perdi a sensibilidade.

Já passou um ano e meio e não recuperei completamente: fiz fisioterapia mas ainda tenho os movimentos afetados. Já vi muito, sobretudo nos seis anos e meio em que trabalhei na Amadora. Na noite em que foram abatidos a tiro os dois agentes no bairro de Santa Filomena, na Amadora (António Abrantes, de 30 anos) e Paulo Alves, em março de 2005, estava como graduado de serviço numa das esquadras da zona. Nunca mais vou esquecer o estado em que eles ficaram. Também ficou gravada para sempre a morte do agente de origem cabo-verdiana Felisberto Silva, com quem cheguei a jogar futebol na divisão. Foi morto com sete tiros disparados à queima-roupa em 5 de fevereiro de 2002. A minha família não percebe porque quero voltar à rua.


[citacão: Assim que lá tentei entrar fui baleado por uma vez e caí ao chão]
Paulo Esteves
43 anos
Chefe da PSP na 5.ª Divisão (Lisboa)
"Aquele processo de combate ao tráfico de droga nem era meu, mas tinha dez anos de experiência e centenas de buscas domiciliárias, pelo que fui convocado para apoiar a operação, que começou a ser preparada durante a tarde.

Passava das 22.00 quando, juntamente com uma equipa de cinco colegas, entrámos no bloco C-12 da rua Bernardo Santareno, num bairro social de Miratejo. Subimos de elevador até ao 11.º andar, porque o objetivo da investigação era o 12.º B. Subimos pelas escadas o último lance. Pedi aos meus colegas que arrombassem a porta. Entrei para o lado esquerdo da casa e o meu o agente que me acompanhou foi para a direita. Gritei "Polícia", convicto de que é sempre uma maneira de entrar numa casa que paralisa as pessoas que estão no interior.

Mas com este não resultou. Vinha uma luz fraca do quarto e nem deu para ver o homem, nem a arma. Assim que lá tentei entrar fui baleado por uma vez e caí. O indivíduo ainda disparou um segundo tiro, mas o projétil atingiu a ombreira da porta. Perdi a consciência por uns instantes no momento do embate, mas nunca larguei a arma e optei por me retirar. Tinha sido atingindo na cara e estava a sangrar tanto que julguei que era o meu fim.

Consegui sair para o corredor, dando indicações aos meus colegas para avançarem. Conseguiram deter o agressor, apreendendo-lhe vários quilos de droga e 63 mil euros em dinheiro. No exterior da casa, tive o discernimento de perceber que tinha de chegar ao rés-do-chão para ser assistido rapidamente. Foi mesmo o instinto de sobrevivência a funcionar. Lembrei-me que o elevador estava no 11.º andar e vim por ali abaixo.

Só quando cheguei ao hall de entrada do edifício é que as pernas vacilaram. Só queria falar com a minha mulher, porque pensei que me ia embora, mas, mesmo assim, aquilo estava a ser tudo tão rápido, que nem pensava no que estava a acontecer comigo. Só no hospital percebi que tinha tido a vida por um fio. Afinal, fora alvejado por cima do lábio, com uma bala de calibre .38 que me destruiu vários dentes e partiu o maxilar, perfurando ainda o céu da boca, antes de se alojar na zona cervical.

Os médicos disseram que o projétil só não fez a trajetória para o cérebro porque tinha sido desviado pelo aparelho dos dentes. Foi um milagre. Depois de ter dormido 15 horas seguidas no hospital, em coma induzido, e de ser operado para reconstruir o maxilar e a face, disse que para a polícia nunca mais ia.

Mas depois refleti e percebi que esta é a minha vida. Dois meses e alguns dias depois estava de regresso, até que me ofereceram um lugar na secção de armas. A bala ficou alojada sob a orelha esquerda, próxima da cervical, até há dois anos atrás, quando foi extraída após nova cirurgia. Em posições desfavoráveis era incómoda e doía, mas fiz uma a vida próxima do normal. Voltei a fazer desporto e até joguei futebol. Depois da extração da munição recuperei quase a 100%".

http://www.dn.pt/sociedade/interior/foram-baleados-e-agredidos-mas-ainda-gostam-de-ir-para-a-rua-5107198.html
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Encerrado Re: Foram baleados e agredidos mas ainda gostam de ir para a rua

Mensagem por иuησ Seg 04 Abr 2016, 00:07

Grande reportagem de Valentina Marcelino, Rute Coelho, Roberto Dores militar
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